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A Filosofia na obra de Machado de Assis


“Uma vez aliviado, respirei à larga, e deitei-me a fio comprido, enquanto os pés, e todo eu atrás deles, entrávamos numa relativa bem-aventurança. Então considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar. Mortifica os pés, desgraçado, desmortifica-os depois, e aí tens a felicidade barata, ao sabor dos sapateiros e de Epicuro. Enquanto esta idéia me trabalhava no faoso trapézio, lançava eu os olhos para a Tijuca, e via a aleijadinha perder-se no horizonte do pretérito, e sentia que o meu coração não tardaria também a descalçar as suas botas. E descalçou-as o lascivo. Quatro ou cinco dias depois, saboreava esse rápido, inefável e incoercível momento de gozo, que sucede a uma dor pungente, a uma preocupação, a um incômodo… Daqui inferi eu que a vida é o mais engenhoso dos fenômenos, porque só aguça a fome, com o fim de deparar a ocasião de comer, e não inventou os calos, senão porque eles aperfeiçoam a felicidade terrestre. Em verdade vos digo que toda a sabedoria humana não vale um par de botas curtas.”

[Machado de Assis] – Memórias Póstumas de Brás Cubas


      E hoje, cá estamos para agradecer o presente que o 2º Período de Filosofia ganhou do professor Giovanni Marques Santos, sim um presente, não consegui encontrar outra palavra para a palestra sobre o magnífico Machado de Assis e a filosofia envolvida em suas palavras.
      Assim, deixo aqui o agradecimento de coração, de todos os alunos do 2º Período de Filosofia, agradecendo a presteza e a generosidade desse grande professor.

A Filosofia na obra de Machado de Assis

      Inicialmente, o Professor Giovanni Marques Santos, falou sobre a vida de Machado de Assis e fatos importantes de sua história pessoal que possivelmente marcaram sua obra, como no caso do tema “a ascensão do mestiço”, visto sua condição de mulato, neto de escravos alforriados; e as outras enfrentadas por Machado no início de sua carreira literária. Além de muitas dificuldades de ordem social e financeira, como se sabe, Machado era míope (e quase vesgo), gago, epilético, diabético (doença que lhe causou uma cegueira temporária). Apesar de tantas barreiras, Machado percorreu o inimaginável trajeto do menino órfão vendedor de doces à Primeiro Presidente da Academia Brasileira de Letras. De fato, talvez graças à essas “barreiras”, é que Machado tempera com boa dose de sarcasmo suas obras.
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Machado de Assis

[De Memórias Póstumas de Brás Cubas]

      Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto.
      Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, a força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa e a hipocrisia, que é um vício hediondo.
      Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade!
      Como a gente pode sacudir fora a capa,deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser!
Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia.
      O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento.
      Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.

{Machado de Assis} – 1839- 1908