A linguagem é aquilo que Habermas toma para sua teoria e que possibilia a proposição inicial da ação a partir de uma rejeição da versão oficial da racionalidade weberiana em que a ação repousa numa compreensão do sujeito como solitário e no modelo teleológico da ação relativa a fins. O autor amplia este conceito weberiano, e propõe uma tipologia da ação que tenha por base uma compreensão dialógica, relação entre ao menos dois sujeitos capazes de falar e de agir, e um modelo de interação social, o agir comunicativo. Assim sendo percebe-se a reformulação existente do conceito weberiano de racionalidade que se move para o plano de uma teoria da ação que tem vincúlos com a tradição da filosofia pós-wittgensteiniana da linguagem, sobretudo à teoria dos atos de fala. Segundo Habermas, a teoria dos atos de fala faz com que seja possível a construção de uma espécie de síntese entre a ação e a linguagem, já que quem fala age e estabelece relações, modifica algo no mundo. Ele nos evidencia também que apenas as ações lingüísticas às quais o falante vincula uma pretensão de validade criticável são capazes de levar o ouvinte a aceitar a oferta contida num ato de fala, podendo assim se tornar eficazes como mecanismo de coordenação das ações. Essa síntese entre ação e linguagem não significa, contudo, uma identificação entre o falar e o agir. Na verdade, a teoria dos atos de fala possibilita precisamente distinguir as ações lingüísticas das ações no sentido estrito do termo. A essencial distinção, que é aspecto fundamental para essa possibilidade de síntese, é entre atos perlocucionários e atos ilocucionários. Enquanto para os atos ilocucionários o que é constitutivo é o significado do enunciado, para os atos perlocucionários o que é importante é aquilo que o agente intenciona com o que diz.
        Habermas considera possível tornar mais claros os conceitos de intercompreensão e de agir orientado ao entendimento mútuo, apenas com base nos atos ilocucionários, pois quando o locutor atinge seu objetivo ilocucionário é o momento em que se tem êxito a tentativa de reconhecimento intersubjetivo embutida em todo ato de fala, e não nos atos perlocucionários, que são atos de fala estrategicamente calculados, que se fundamentam teleologicamente.
        A distinção entre trabalho e interação que é extraída da filosofia de Hegel é reformulada por Habermas na distinçãoo entre a ação orientada ao sucesso (erfolgsorientiert) e a ação orientada à intercompreensão (verständigungsorientiert) e ela se encontrará no cerne da teoria da ação de Habermas. A noção de agir comunicativo é o único tipo de ação social orientada a intercompreensão.
        O conceito de agir comunicativo, que tem como pano de fundo o entendimento lingüístico como mecanismo de coordenação da ação, faz com que as suposições contrafactuais dos atores que orientam seu agir por pretensões de validade adquiram relevância imediata para a construção e a manutenção de ordens sociais: pois estas mantém-se no modo do reconhecimento de pretensões de validade normativas. Isso demonstra que a tensão entre facticidade e validade, embutida na linguagem e no uso da linguagem, volta ao modo de integração de indivíduos socializados, ao menos comunicativamente, e que deve ser trabalhada pelos participantes. Esse raciocínio demosntrado na principal obra de Habermas em matéria de filosofia política e filosofia do direito, torna perceptível a conexão entre as teorias da ação e da sociedade.
        Tendo em vista a complexidade que se tornou o mundo moderno, o agir comunicativo se torna impotente, pois a sociedades modernas desencantadas, fruto da mudança progressiva do agir ritual pelo agir comunicativo nas funções de reprodução social, se fazem presentes. Habermas, sabe que a linguagem, enquanto veículo primário de intercompreensão, se sobrecarrega de tarefas no âmbito dessas sociedades, assim ele propõe, então, uma nova e complexa conexão dos conceitos básicos da teoria da ação com os da teoria dos sistemas. Esta impotência obriga-o a integrar a perspectiva sistêmica na teoria da sociedade, tendo em conta dois tipos de coordenação das ações: a que é obtida por intermédio do consenso dos participantes, perspectiva do mundo vivido, e a que é realizada pela via funcional dos observadores, ótica do sistema. A identificação de sistema, por um lado, e mundo vivido, por outro, possibilita especificar duas esferas de reprodução social – material e simbólica – com funções diferentes no plano da integração, uma sistêmica e outra social, associadas a seus respectivos contextos de ação, ou seja, estratégica e comunicativa. Ao integrar a teoria do agir com a teoria dos sistemas, Habermas, evita uma absorção da primeira pela segunda através de sua noção bipolar de sociedade, pela qual combina as análises hermenêutica e funcionalista. A teoria da ação tem primazia sobre a teoria sistêmica, e isso se evidência pelo fato de ele estabelecer primeiro os eixos de uma teoria da ação que repousa no conceito de agir comunicativo, para, em seguida, incorporar a perspectiva do sistema, e não o contrário. Por esse raciocínio o mundo vivido é um conceito complementar do agir comunicativo, na medida em que o primeiro representa o “fundo” social da ação orientada ao mútuo entendimento e o segundo o “meio” da reprodução simbólica do mundo vivido. Essas formas distintas, inconfundíveis, de coordenação das ações sociais – estratégica e comunicativa – servem de fundamento para a explicação habermasiana do caráter dual do direito moderno.


Leticia Garroni
Quinto Período de Filosofia