O texto que segue é a resenha do capítulo do livro História e memória, intitulado Antigo/Moderno, de Jacques Le Goff, originalmente publicado em 1988 na França e lançado no Brasil em 1992. Le Goff estudou na Ecole Normale Supérieure e depois na Universidade Charle de Prague. Assistente da Faculté de Lille até 1959, foi nomeado pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica, em 1960. Em seguida, foi mestre-assistente da VI seção da École Pratique de Hautes Études. Como diretor de estudo na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Le Goff publicou trabalhos que renovaram a pesquisa histórica, sendo um dos fundadores da Nova História. Co-diretor da Escola dos Annales, o autor é um dos maiores medievalistas da atualidade, com dezenas de obras publicadas das quais se destacam O nascimento do Purgatório (1981), O imaginário medieval (1985) e Por uma outra Idade Média (1977). Em Antigo/Moderno, Le Goff procura reconstruir o dualismo que sempre existiu entre esses conceitos ao longo da história da humanidade, e como esses termos estão cercados de ambigüidades e mudanças de sentido que marcam cada época de forma nítida e que ajudam a construir a sua história.

Le Goff inicia o texto dizendo que o par antigo-moderno sempre fez parte da história do ocidente em todas as épocas. Segundo o autor, o desenvolvimento dessa relação entre antigo e moderno é algo complexo de se estudar, uma vez que nem sempre esses conceitos corresponderam a uma oposição de um ao outro. A partir do século XVI, por exemplo, com a divisão da história em Antiga, Medieval e Moderna, o termo ‘moderno’ vem se opondo mais ao medieval do que ao antigo. Por sua vez, a modernidade pode se apresentar, também, como retomada do passado. Isso tudo mostra a dificuldade de classificar o que seja moderno. Por outro lado, o ‘antigo’ nem sempre se refere a ‘ultrapassado’, em oposição a moderno: em muitas sociedades tradicionais, o antigo é o que comanda a vida social e política, sendo colocado como uma mistura de sabedoria e senilidade.
Le Goff informa que as grandes transformações ocorridas ao longo da história sempre foram denominadas ‘modernas’ devido ao caráter inovador que apresentaram (queda do Império Romano, Revolução Industrial etc). ‘Moderno’ pode ainda ser usado para distinguir e para classificar algo como bom ou mal. Assim também o termo ‘antigo’ que, segundo ele, é ambíguo, podendo ter um sentido neutro, ou de longínquo, depreciativo ou positivo. Falar de ‘antigo’ no Renascimento, por exemplo, tem um valor positivo, uma vez que designa a recuperação da cultura clássica, tida como ideal do homem do momento. Isso, contudo, gerou um conflito entre antigo e moderno, entendendo o último como ‘progresso’, que denota ruptura com o passado. Mas se ‘moderno’ tem esse sentido de ruptura, o ‘novo’ e o ‘progresso’ apresentam significados diferentes: por ‘novo’ entendemos algo sem passado; em ‘progresso’, vemos algo ‘recente’, oposto ao passado, sendo mais dinâmico que o ‘moderno’. É somente na Revolução Industrial que surge o ‘moderno’ como um composto de ‘novo’, sem inocência, e ‘progresso’, sem dinamismo.
Segundo o autor, o conflito antigo-moderno acentuou-se a partir do século XII, quando aparecem escritores que usam o termo modernus ora positiva ora negativamente. Gautier Map, criador do termo modernitas, entende que o moderno é o resultado de um processo secular. No século XIII, os conflitos continuam com Tomás de Aquino e Alberto Magno, que vêem como antigos os autores anteriores a eles, opinião que perdurará até o século XVI, com a oposição da modernidade ao antigo. Nesse tempo, os filósofos que seguiam Duns Scoto, rompendo com a escolástica, contrapõem a via moderna à via antica. Marcilio de Pádua, um dos primeiros a propor a laicização do Estado, usa o termo modernus como sinônimo de ‘inovador’. Nas artes, o moderno se mostra no ‘novo’, com uma linguagem diferente que retoma o antigo, em contraposição ao medieval. Muitos, porém, criticaram os antigos dizendo que os modernos teriam a vantagem da experiência acumulada no tempo, ou mesmo que eram superiores aos outros. Nos séculos seguintes a contenda continua, sobretudo com publicações na Inglaterra e na França de obras que enaltecem o moderno. No mesmo período houve os que viam no moderno a decadência das conquistas antigas. Somente na época do Iluminismo e da Revolução Francesa, que a ideia de progresso vem ser acrescentada ao moderno: a ideia de um tempo cíclico é substituída por uma de tempo linear, o que dá ao moderno um sentido sempre positivo.
A partir de meados do século XIX, com a Revolução Industrial, vive-se uma radicalização do moderno, especialmente nas artes, na religião e na indústria. O contato entre os mundos industrializado e subdesenvolvido, sobretudo após a Segunda Grande Guerra levou a uma sistematização do moderno e à necessidade da modernização. Para o autor, temos três tipos e modernismo a partir de 1900: o literário, principalmente na poesia hispânica (contra o clássico); o religioso, dentro da Igreja, como oposição entre conservadores e sociedade ‘moderna’, concentrando-se na questão dos dogmas e no surgimento da exegese bíblica como tentativa de modernizar os estudos eclesiásticos, já defasados em relação aos progressos das ciências; e o modern style, que é um movimento de arte moderna que considera o antigo como artificial e elitista, e propõe o natural como paradigma dirigindo-se ao povo. Esses movimentos modernos se expandem rapidamente em todos os setores e países.
Dando seqüência ao texto, Le Goff coloca a colonização como um dos mais fortes conflitos entre o moderno e o antigo que se viu na história. Ganhando a independência, as ex-colônias tiveram de enfrentar o problema do atraso em relação às metrópoles e também buscaram se modernizar. Isso ocorreu em alguns lugares com equilíbrio do antigo com o moderno (Japão, Israel); de forma conflitual (países árabes), ou por tentativas (África).
O termo modernidade também foi empregado com sentido de rebeldia, esnobismo, algo inacabado que se impõe nas relações sociais. O moderno vem no século XX carregado de cientificismo e tem como base a economia: a modernidade identifica-se com a industrialização em escala mundial. Consumismo e secularização da família também são emblemas dos tempos modernos. Essa modernidade é produto de revoluções políticas e econômicas, diretamente relacionado com a ascensão do capitalismo, o surgimento da cultura e da comunicação de massas (rádio, tv, Internet), da técnica e da industrialização.
Essa modernidade veio prometendo redução do tempo de trabalho proporcionada pela mecanização crescente da indústria. Isso, porém não se verifica, uma vez que o acúmulo de capital e o consumismo desenfreado de um lado, e a individualização exacerbada de outro (busca do sucesso) exigem que o homem se torne uma máquina de trabalhar ininterruptamente. Isso tem trazido como conseqüências o estresse generalizado, procura de realização apenas em coisas materiais e a falta de sentido na vida.
Contemporaneamente, podemos chamar de modernidade a tomada de consciência das rupturas com o antigo e o desejo das massas de assumir essas rupturas. Nesse processo, entra em jogo o conflito de gerações que, segundo Le Goff, vão se traduzir nas querelas entre antigo e moderno: a razão, tão exacerbada pela mentalidade tecnicista, vem se contrapor à autoridade e à tradição. Valorização do efêmero, o moderno é algo difuso, uma forma de se construir no presente um futuro que se baseia no passado.


Benedito Fernando Pereira
Licenciado em Letras (Univás), Bacharel em Filosofia (FACAPA), graduando em História (Univás) e pós-graduando em Ensino de Filosofia (FACAPA).