Tous ces défauts humains nous donnent dans la vie
                                                                            des moyens d’exercer notre philosophie.
                                                                                                                         Molière

        Descartes dizia que “não filosofar é viver cego”. Essa pequena-grande frase explica brilhantemente o viver do homem contemporâneo que se pretende globalizado, onipresente e onisciente, mas que, na verdade está isolado e perdido de si. É um homem cego, que já não se encanta nem se assombra com nada. O mundo precisa reaprender a estranhar e a estranhar-se. Vivemos uma época em que a contemplação não tem lugar, o admirar-se já não ocorre. É um tempo de esgotamento, de insatisfação e descrença no futuro.

        Este estado de coisas tem suas raízes históricas no século XIX, quando a civilização ocidental conheceu pensadores que provocaram um certo cansaço de pensamento. Nesta época, nasce um conceito de ciência como instrumento absoluto de conhecimento do mundo e possibilidade única de atuação sobre ele. Marx pretende cientificizar a História; Freud, ignorando os pressupostos filosóficos que fundavam seu pensamento, pretende reduzir o complexo ser humano ao cubículo de suas idéias; Comte pretende um conhecimento científico como único válido e como estágio final da evolução humana. Foram homens que combateram os dogmatismos de até então, mas que foram, eles mesmos dogmáticos e intolerantes. Passou-se de um extremo a outro, e extremismos nunca foram solução de nenhum problema humano. O mundo sentiu a exaustão do pensamento fracassado. Como conseqüência e reação, mais extremismos: Nietzsche e Heidegger (este último, admirador de Hitler) decidiram abolir o passado e declarar o fim da razão, a morte de Deus e o fim da verdade e do conhecimento. Trata-se de uma filosofia que destrói a filosofia, um verdadeiro suicídio filosófico. O mais incrível de tudo é que os homens, reles mortais ainda pouco experimentados na arte de pensar com lógica e por sua própria conta, acreditaram nessas idéias. E pior, resolveram colocá-las em prática. Então, com a morte da ética e dos valores, as guerras, a exploração do homem pelo homem e as injustiças se acentuam ao longo do século XX e precipitam o mundo no vazio, no tão desejado nada de Nietzsche. Como resultado desse processo, vivemos na contemporaneidade um novo cansaço, o cansaço da civilização científica vazia de sentido. Sobre isso, Incontri (2004, p. 55) comenta:

[Com o niilismo], imputam-se todas as barbaridades ao dogmatismo e aos grandes sistemas do passado e, como num rolo compressor, passa-se por cima de tudo. Não se limita a questionar os dogmas marxistas, destroem-se todas as utopias sociais e toda idéia de história. Não basta relativizar a capacidade da ciência de ter todas as verdades, abala-se a própria possibilidade de conhecer. Não se criticam apenas os exageros determinísticos e metafísicos do evolucionismo, nega-se qualquer noção de progresso.
Assim, tudo se esvazia, se nadifica, ficando apenas uma angústia, uma sensação de impotência e inutilidade. O homem nada mais é, diante de um universo sem sentido que ele nem pode conhecer, nem entender; diante de uma história que ele nem pode fazer, nem mudar. O que sobra? Ora, o desejo imediatista, o consumo do mercado, a civilização descartável do capital e da auto-ajuda (remédio fraco e paliativo para tão profundo vazio, mas bem vendável).

        O homem, ser naturalmente insatisfeito, está acometido de um novo tipo de insatisfação: a insatisfação do ser. Ninguém mais é, todos se preocupam apenas com o ter, com o possuir, e nem sabem mais para quê desejam possuir, uma vez que nada tem sentido. Resulta disso que o homem – que já não se conhecia – agora se alienou (ou se deixou alienar) ainda mais e acabou por perder-se de si, dando lugar à civilização do não-ser. O logos cedeu lugar ao logo. Não há mais tempo: todos os dias, milhares de não-seres apressam-se para morrer o caos contemporâneo, a corrida frenética em busca do nada. Vivemos (ou morremos?) em uma Matrix e sequer nos damos conta disso. É exatamente esse estado de coisas atual que nos mostra a utilidade e a importância da filosofia em todos os tempos. O pensar reflexivo é o único capaz de contrarreagir a posicionamentos extremistas como os que precipitaram a civilização no caos de nossos dias.

Pourquoi une formation philosophique ? Parce que nous dormons souvent, en pensant vivre ! Par habitude, avec les mille préoccupations du quotidien, nous oublions de nous demander pourquoi nous faisons telle ou telle chose. Il n’est pas évident de prendre du recul, de réfléchir, de tirer parti de ce que nous vivons. Il faut apprendre à s’arrêter, à dialoguer avec soi-même. La philosophie, en nous confrontant à des idées et non à des opinions, nous entraîne à cette gymnastique nécessaire pour faire de véritables choix. ¹

        O mundo precisa de filosofia. Isso vale dizer que o mundo precisa de educação, precisa aprender a olhar para si mesmo e para a realidade na busca não só do conhecimento, mas da transformação para o bem. Nesta linha de pensamento, talvez o caminho mais acertado tivesse sido o proposto por Comenius, pensador tcheco do século XVII, como salienta Incontri (2004, pp. 36-37),

[...] Comenius defende que a reforma da humanidade só se poderia dar através de uma pansofia e um pampaedia.
A pansofia, ou sabedoria do todo, seria um conhecimento integral que não desprezasse nem a observação científica, nem a racionalidade filosófica, nem a revelação religiosa, como fontes integradas e em diálogo permanente na constituição do conhecimento humano. Mais do que isso, seria preciso que esse conhecimento fosse acessível a todos, através de um grande projeto de educação para a humanidade, ou a pampaedia, que pode ser entendido como o ensino do todo, mas também como o ensino para todos.

        Eis um projeto de filosofia prática para todos aqueles que julgam a reflexão filosófica avessa à praticidade da vida cotidiana. A educação é, de fato, o único meio de reverter o estado geral das coisas em nosso tempo. A ciência renascida neste contexto, deve assumir uma postura crítica e ética sobre seu próprio proceder, sempre questionando os rumos a tomar. Desse modo, a ciência liga-se de modo indelével à ética, o que coloca a reflexão filosófica não só na base da investigação científica como também – e principalmente – no agir decorrente das descobertas e invenções da ciência. Só então, com a educação e a ciência formadas sob as bases éticas proporcionadas pelo pensamento reflexivo, o homem deixará de ser o não-ser contemporâneo e voltará a ser outra vez. Para que serve a filosofia então? Vamos concluir com Chauí (2002, p. 15) que responde magistralmente a essa pergunta:

Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.


Benedito Fernando Pereira
Licenciado em Letras, Bacharel em Filosofia, graduando em História, pós-graduando em Ensino de Filosofia pela FACAPA.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAUÍ, Marilena. Filosofia. Série Novo Ensino Médio. 1. ed. São Paulo: Ática, 2002.
INCONTRI, Dora [Dora Alice Colombo]. Para entender Allan Kardec. Bragança Paulista: Lachâtre, 2004.

Autor anônimo. Disponível em: . Acesso em : 15/03/09.