O tempo sempre foi um problema para os filósofos desde a antiguidade grega. É famosa a expressão de Santo Agostinho que dizia que todo mundo falava sobre o tempo, mas se alguém pedisse uma definição do que era o tempo, ninguém conseguia dá-la. A rigor, desenvolveram-se, ao longo da história da filosofia e das ciências, diversas concepções do tempo. Nesse sentido, poderíamos dizer que as diversas concepções de tempo da filosofia são elas próprias temporais, mutáveis e históricas.

     Na antiguidade, predominou a teoria realista ou objetivista do tempo. Segundo ela, o tempo era uma entidade como outra qualquer no mundo exterior e deveria ser tratado da mesma forma e com as mesmas categorias com que se tratavam as coisas e os objetos. Porém, essa teoria apresentava diversas dificuldades ou paradoxos, tratados por filósofos como Aristóteles (Física) e por Zenão de Eléia: por exemplo, o tempo é uma coisa contínua ou uma coisa discreta? O que distingue o presente do passado e do futuro? Como explicar a assimetria entre passado e futuro? Faz sentido em falar em existência de objetos fora do tempo – como pensava Platão – ou tudo o que existe, existe temporalmente. O tempo é uma coisa infinitamente divisível ou um fluxo contínuo ininterrupto? Vários desses problemas ou paradoxos foram apontados por filósofos como Zenão de Eléa e por Aristóteles.

     As dificuldades relativas às concepções objetivas do tempo levaram, na modernidade, cada vez mais ao desenvolvimento de teorias subjetivistas ou anti-realistas do tempo. Nessas teorias o tempo não é um objeto realmente existente no mundo exterior, mas uma forma de relacionar objetos segundo o anterior e o posterior definidos em relação à nossa própria posição e às nossas próprias coordenadas. É nesse sentido que Kant vai falar do tempo como uma forma a priori segundo a qual nós percebemos a sucessão de fenômenos do mundo. Leibniz também se referia ao tempo como uma forma subjetiva de percepção das coisas como existindo umas após as outras.

     Uma das concepções mais interessantes do tempo foi desenvolvida pela filosofia fenomenológica do século XX, sobretudo Heidegger no seu famoso livro Ser e Tempo (1927) e Jean-Paul Sartre em sua obra O Ser e o Nada (1941). Antes de falar do tempo, eles preferem falar de temporalidade como uma dimensão intrínseca e estrutural da forma como o ser humano se percebe no mundo.

     Segundo Sartre, nós nos percebemos fundamentalmente como seres relacionados diretamente com as três dimensões da temporalidade: aquilo que fomos (passado), aquilo que estamos sendo (presente) e sobretudo aquilo que queremos ser ou que projetamos ser (futuro). Para ele, o sere humano é aquele ser que tem a tarefa de ser, ou seja, é aquele ser que tem consciência de que sua existência é um projeto uma construção sua, de que não existe nenhuma determinação anterior ou destino que decida o modo próprio da sua existência. A dimensão do passado para o ser humano representa sempre um “ter sido”, algo não modificável, não alterável; segundo ele o ser humano sempre pode dizer “eu fui o meu passado, mas não sou mais nesse instante o meu passado”.

     O que caracteriza, segundo Sartre, nossa vivência do instante presente é exatamente o fato de que nós temos consciência de que aquilo que fomos no passado não determina de modo algum nossas decisões e nossas possibilidades futuras: nós somos sempre a cada momento responsáveis por nossas próprias escolhas de ser e não podemos “culpar” o passado pelo que somos ou estamos decidindo ser. O futuro é algo sempre aberto para o ser humano, é um horizonte de possibilidades de ser, possibilidades que fazem com que sintamos o instante presente sempre como algo relativamente angustiante, pois em todo momento estamos de fato definindo o nosso futuro, abrindo e fechando possibilidades de ser e de existir.

     Assim na concepção fenomenológica do tempo, desenvolvida no século XX, o tempo é algo relativo, subjetivo e os eventos podem ser descritos e narrados de diversas maneiras, sem uma objetividade definida, de acordo com a perspectiva de cada indivíduo ou coletividade. Para lembrar uma expressão de Hegel, nós somos seres históricos e nossa principal tarefa é construir na história um mundo em que nos sintamos livres, livres para viver nossos diferentes projetos de ser. Algo parecido falava Nietzsche, quando ele dizia que cada um deve tornar-se o que se é, ao longo de seu próprio tempo.


José Maria Arruda
Doutor em Filosofia com Pós-Doutorado na Universidade de Aachen/Alemanha e professor mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Fonte: Jornal O Povo