BALLESTER, M. Verdade. In: VILLA, M. M. (org.). Dicionário de pensamento contemporâneo. São Paulo: Paulus, 2000, p. 764-768.

SOBRE A VERDADE

        O texto a seguir é a resenha do verbete “verdade”, segundo o Dicionário de pensamento contemporâneo, por M. Ballester. Segundo o referido dicionário, já os gregos falaram sobre a verdade, identificando-a com a alethéia, palavra que significa ‘desvelamento’ aplicado à realidade, que teve início com a busca da arché, o princípio de todas as coisas.

        Na filosofia grega, um dos primeiros a sistematizar a questão da verdade é Parmênides: nos fragmentos de seu Poema, o filósofo fala da verdade como algo eterno, imutável, e diferencia-se da opinião, que é fugaz e propensa à falsidade. A realidade se nos mostra como um composto de realidade da experiência e realidade intelectual, sendo a razão o único caminho capaz de levar o homem à verdade das coisas, enquanto que os sentidos enganam, segundo Parmênides.
        Platão, embora de certa forma concorde com Parmênides, coloca a verdade no mundo das ideias. As coisas do mundo sensível, embora tenham participação nas ideias, não correspondem à verdade absoluta. Para se alcançar a verdade, o filósofo deve usar a razão. No Crátilo, Platão deixa claro que a verdade se dá em duas instâncias: no ser em si da realidade, e no ser representado pelo discurso.
        Aristóteles entende a verdade como obra do intelecto, havendo a verdade lógica, uma semântica e uma pragmática. É na relação dos juízos que se encontra a verdade, segundo o Órganon de Aristóteles. Na sua Metafísica se encontra a dimensão semântica da verdade: a verdade aí é tida como adequação do pensamento ao objeto de conhecimento. A verdade pragmática está no uso concreto e correto do juízo.
        Na Idade Média, a busca da verdade continua, tendo como característica o papel representado por Deus no pensamento dos filósofos. Para Agostinho, a filosofia é a busca da verdade, sendo que essa é Deus. Seguindo uma linha de raciocínio platônico, Agostinho coloca que verdades parciais podem ser conhecidas pelo homem, mas é somente Deus a grande verdade. O objetivo máximo da busca da verdade é encontrar a felicidade.
        Seguindo a linha aristotélica, Tomás de Aquino diz que a verdade está no intelecto divino em primeiro lugar, de modo secundário no intelecto humano, e por fim nas coisas, de modo impróprio e secundário.
        Os filósofos modernos se preocuparam propriamente com o aspecto gnosiológico do que com o metafísico da verdade. Expoente primeiro dessa filosofia é Descartes com o cogito, cuja base é a dúvida metódica, movimento de desconstrução que possibilita a reconstrução de um novo conhecimento com base na razão. É a partir da verdade do cogito que se podem alcançar novas verdades por meio de ideias tão claras e distintas quanto ele. Para se conhecer a realidade dos entes exteriores ao sujeito, é necessário que haja o grande cogito, por Descartes identificado como Deus. Para Kant, a matéria do conhecimento não pode ter critérios de verdade, uma vez que esses seriam contraditórios à própria verdade. Quanto à forma, Kant entende que a concordância das leis universais é condição básica para a verdade do conhecimento. Para Hegel, a busca da filosofia é a busca da verdade: para o filósofo, a realidade é um desdobramento do absoluto, de modo que ela se estende no todo do sistema.
Na filosofia contemporânea também temos várias correntes que discutem a respeito da verdade dentro da Teoria do Conhecimento. Uma delas é o Círculo de Viena, com seu princípio de verificação, que consiste na necessidade da comprovação da veracidade de um dado princípio como condição para que este seja válido. Este princípio foi muito criticado por ser paradoxal, uma vez que invalida a si mesmo.
        Outra posição a respeito do conhecimento é a de Popper, o falseacionismo: a verdade de uma proposição científica não pode ser considerada definitivamente verdadeira, mas apenas como teoria que ainda não foi refutada. Husserl aposta na capacidade humana de conhecer a verdade por meio da razão. Para ele, a verdade está na concordância entre o intelecto e o objeto. Essa posição foi contestada por Heidegger, para quem a verdade não é a adequação do intelecto à coisa, mas na coisa em si (retorno à alethéia grega). Assim, a verdade se revela e pode ser encontrada tanto no ser do objeto como no revelado do objeto. Segundo o filósofo, essa abertura ao ser se dá na linguagem.
A verdade teórica é a adequação do conceito à coisa, a oposição ao erro que leva ao conhecimento da realidade. Existe então uma universalidade da verdade. A verdade prática também é algo adaptado a um contexto específico, uma vez que depende da decisão do grupo (leis). A verdade opõe-se ao erro e não à opinião. O saber teórico deve se fundamentar na razão, e não na opção intelectual, uma vez que esta última não pode ser a base para nenhum conhecimento que leve à verdade. A falta de sentido resultante da carência da verdade que vivemos na pós-modernidade é o resultado de se tomar a opção como fundamento do saber e não a razão. A verdade prática engloba os aspectos técnico e ético: o saber-fazer e o saber-fazer-bem, o saber-conhecer e o saber-agir.


Benedito Fernando Pereira
Quarto Período de Filosofia