Nunca a fé foi tão estimulada e explorada no Brasil como nos dias atuais. Apesar de o Brasil ser considerado um país religioso o apelo à fé é dirigido às classes mais pobres da sociedade brasileira. Em outros países do primeiro mundo tal “mensagem” não surtiria efeitos esperados.
        A época de conflitos religiosos em nosso país parece que já teve seus momentos mais intensos. Há meio século havia maior hostilidade entre católicos e os chamados protestantes, hostilidade essa que era visível e estimulada por religiosos de ambos os lados. Não raro foram os conflitos violentos envolvendo fiéis e líderes das duas vertentes da cristandade.

        Hoje o quadro é diferente. Críticas feitas por católicos aos pentecostais, por exemplo, quanto a pratica abusiva de arrecadação de dinheiro amenizaram-se, pois se pode ver em canais católicos a arrecadação de dízimos e ofertas a serem depositadas em contas bancárias para sustento da “obra de Deus” da mesma maneira que os pentecostais, mudando somente a “intenção” e a legitimidade.
        Não somente na questão financeira houve mudanças: a prática litúrgica e por que não dizer doutrinária – ainda que não oficialmente – também sofreu mudanças. É comum vermos Padres e leigos católicos imitando, ou fazendo uso da pratica pentecostal de falar (rezar) em línguas, ungir enfermos com óleo, impor as mãos sobre enfermos e consequentemente o anuncio de milagres sobrenaturais e dons do Espírito.
        Quais os possíveis motivos dessa “tolerância” religiosa e compartilhamento de algumas posições antes rejeitadas?
        Em contra partida movimentos pentecostais também fazem uso de elementos católicos como a hierarquia eclesiástica. Muitos líderes neo pentecostais introduziram funções (cargos) como a de bispos e apóstolos o que historicamente foi suprimido no protestantismo histórico.
        Igrejas Luteranas e Reformadas adotam somente a figura do pastor entendendo que o termo epíscopos (bispo) usado no Novo Testamento é sinônimo de presbítero (ou ancião) além de não adotarem uma forma de governo episcopal (com exceção da igreja da Rainha Inglesa/anglicana). No protestantismo histórico o governo é exercido por concílios nos quais seus líderes tem funções e autoridade equivalentes.
        O movimento neo pentecostal, como por exemplo, a “igreja” do “Bispo” Edir Macedo (entre outras) distanciou-se quilometricamente dos princípios da Reforma do século XVI e a grande maioria dos fiéis desconhece a história da Reforma, suas lutas, seus ideais, os motivos de disputas e até mesmo a origem do termo “protestante” e o pior: as doutrinas embasadas não na tradição nem na autoridade de concílios ou de pessoas investidas de autoridade, mas nas Escrituras do Antigo e Novo Testamento (marca também do fundamentalismo?)
        Outra mudança se deu quanto ao uso da mídia para propagar a fé. Não mais do que 20 anos havia pentecostais que afirmavam que o fiel não devia assistir programas televisivos e nem mesmo possuírem o televisor, pois a programação era produzida pelo diabo e fatalmente os levaria à desobediência e ao pecado. Hoje os pentecostais dominam canais, horários nobres quase que 24 horas diárias.
        Do lado católico há um grande investimento televisivo. Na região sudeste pode-se assistir TVs como: Canção Nova; TV Aparecida; Século XXI; Rede Vida além de programas contratados em outras emissoras. Chama-nos atenção a peculiaridade de cada uma delas apesar de serem da mesma instituição.
        Os protestantes históricos por sua vez são mais cuidadosos e precavidos em relação ao apelo televisivo. Bom ressaltar que o protestantismo histórico propriamente dito é composto pelas igrejas que tiveram sua origem na Reforma do Século XVI. Dentre elas estão os luteranos, presbiterianos, anglicanos e metodistas. Há um equívoco (até mesmo em alguns docentes universitários) ao englobar ao protestantismo movimentos pentecostais e neo pentecostais, como Igreja Internacional da Graça de Deus (R.R. Soares) e Universal do Reino de Deus (Edir Macedo) e tantas outras, ainda que sejam opostos ao catolicismo (curioso o fato de os líderes dessas igrejas são cunhados).
        Existem programas não tão conhecidos de religiões orientais e espíritas, como Chei Cho No Ie e o espiritismo kardecista que caminham também para a propagação de suas verdades.
        Há debates e comissões na Câmara dos Deputados e no Senado Federal procurando delimitar o papel e até mesmo a agressividade entre as religiões apesar do discurso evasivo do chamado movimento ecumênico.
        Por fim a sociedade brasileira deve aprender a ser mais crítica e cuidadosa, pois sem sombra de dúvidas, o que está por detrás de muitos apelos eletrônicos são interesses particulares e escusos.
        Infelizmente resquícios do Fundamentalismo religioso voltam a visitar a humanidade, seja no Oriente, seja no Ocidente e particularmente no Brasil. Onde cada um defende sua religião como a única verdadeira e querendo impor sua maneira de pensar a todos que estão fora de seu circulo religioso, atribuindo-lhes a perdição eterna e referindo-se às demais de maneira preconceituosa e não rara vezes com predicados jocosos.
        Concluo com as palavras de Boff sobre o fundamentalismo

Ele não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da história, postura que exige contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter sua verdade originária. Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista…Não há ninguém mais guerreiro que os herdeiros da tradição dos filhos de Abraão: judeus, cristãos e muçulmanos. Cada qual vive da convicção tribalista de ser povo escolhido e portador exclusivo da revelação do Deus único e verdadeiro. Esta fé deve ser difundida em todo mundo, normalmente, em articulação com o poder colonialista e imperial, como historicamente ocorreu na América Latina, África e Ásia. (BOFF, Leonardo. Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz: Desafio para o século XXI. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 49,50)

        O Fundamentalismo, seja religioso, político ou econômico, é um empecilho para a liberdade de expressão, da consciência e do poder de escolha de cada um de nós e uma ameaça para o bem estar da humanidade.


Bernardo Rafael de Carvalho Pereira
Terceiro Período de Filosofia