”A poesia tem um papel na cultura, como a matemática e a música. Ela estabelece talvez um plano original no mundo do pensamento e imaginação, plano de síntese das forças espirituais, ponto onde todos os trabalhos do homem, o seu esforço e história, se unificam no súbito conhecimento de uma grande realidade: a vida do ser humano sobre a terra. Considero que todas as formas expressas da imaginação se concluem na verdade poética. O teorema de Pitágoras, a invenção da roda e do parafuso, a descoberta do arado, a ideia da igualdade dos homens, as astronaves, a arquitetura funcional, a revolta contra os tiranos – tudo isso em que a civilização se aplicou, e foi e é um degrau imaginado no percurso para um tempo melhor, encontra a sua beleza ao atingir o poema. E o ofício daqueles que procuram revelar aos homens a beleza dos seus próprios atos não pode ser inútil, porque talvez se não lutasse tão ardente e pertinazmente, se não se possuísse a consciência da beleza da luta. É este papel que, quanto a mim, se destina à poesia. Assim, ela liga-se à história, reflete-a na sua forma pura, fulminante.”

{Herberto Helder}
Extrato do artigo Ofício de Poeta, publicado na Revista êxodo – Coimbra 1961.