SANTOS, Theotonio dos. Conceito de classes sociais. Petrópolis: Editora Vozes, 1982.

        Faz-se aqui a resenha do livro Conceito de classes sociais, de Theotonio dos Santos, lançado em 1970, em espanhol, e traduzido ao português em 1982 por Orlando dos Reis, sendo, no Brasil, publicado pela editora Vozes. Graduado em Sociologia, Política e Administração Pública pela UFMG, o autor possui mestrado em Ciência Política pela UnB, e dois doutorados em Economia por notório saber, sendo o primeiro concedido pela UFMG em 1985, e o segundo pela Universidade Federal Fluminense, em 1995. Ex-professor da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, na França, da Fundação Getúlio Vargas, da Ritsumeikan University, do Japão, da PUC/RJ, e da Universidade Nacional Autônoma do México, entre outras, o autor é ainda pesquisador do CNPq, professor da Universidade Federal Fluminense, colaborador e consultor da UNESCO e diretor de uma dezena de instituições espalhadas pelo mundo. Com mais de 30 livros publicados e dezenas de artigos, Theotonio dos Santos é um dos maiores nomes mundiais das áreas da Sociologia e da Economia.

        Neste texto, o autor reflete sobre as dificuldades que pontuam a definição de classe social em Marx, que tem causado controvérsia entre alguns estudiosos, mesmo entre os marxistas. Para suas considerações, Santos seleciona duas críticas sobre esse tema e as analisa, buscando chegar a um conceito científico de classe social, e esclarecendo alguns pontos controversos sobre o assunto, apontados nos textos.
Segundo o autor, a noção de classe social é tão antiga quanto os povos da Terra: Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, entre outros, já trabalharam essa noção em alguns de seus escritos. É a partir do século XIX, contudo, que esse conceito é identificado como sendo a base do funcionamento da sociedade. Neste tempo, Marx deu-lhe uma dimensão científica ao atribuir-lhe o papel de base para explicar a sociedade e sua história. O filósofo, porém, de acordo com Santos, não sistematiza de modo rigoroso o conceito, o que deu margem para confusões interpretativas de sua obra.
        Para demonstrá-lo, o autor expõe as idéias de dois estudiosos do assunto: Georges Gurvitch e Stanislav Ossowsky. Para o primeiro, Marx falhou ao não diferenciar devidamente história de sociologia, condição básica, segundo ele, para a constituição de uma ciência social. De acordo com esse autor, Marx não é claro quanto ao papel histórico do proletariado, nem consegue estabelecer a verdadeira importância da consciência de classe na definição de uma classe social. Em suma, Marx não deixa claro se as classes sociais sempre existiram ou não, uma vez que, se de um lado coloca a existência das classes em toda a história humana, de outro, mostra características que se fizeram presentes somente na modernidade industrial. Outro ponto confuso em Marx, segundo Gurvitch, é o conceito de ideologia, que é apresentado ora como uma ilusão da consciência, ora como mistificação consciente. Ossowsky, por sua vez, segundo Santos, procura estudar as classes sociais em Marx segundo um esquema dicotômico, um esquema de gradação e um esquema funcional. O primeiro deles enfoca o conflito entre classe dominante e classe dominada, expondo o pensamento marxista pelos vieses político e econômico. Já o esquema de gradação hierarquiza as classes sociais de acordo com uma escala, o que mostra um Marx mais sociólogo do que político ou economista do primeiro esquema. Por fim, o esquema funcional dá ênfase à luta entre setores de classe, cuja diferenciação é originária da propriedade das fontes de renda. De modo geral, Ossowsky entende que Marx concebe as classes sociais conforme o ponto de vista adotado no momento de sua análise.
        De acordo com Santos, porém, nem Gurvitch, nem Ossowsky têm razão. Para o autor, para compreender o conceito de classes em Marx, é preciso ler sua obra situando-a no contexto de sua época e analisar os vários níveis de abstração que essa noção assume no texto. Percorrendo esse processo de análise, Santos afirma que Marx expõe o problema das classes como algo bastante mais complexo na prática do que na teoria, mas que ambos os estudos empírico e teórico são complementares. Marx, ainda de acordo com o autor, buscava analisar as classes em vários níveis diferentes, mas interdependentes, o que revela uma metodologia dialética na abordagem do tema. Com isso, Marx criava maneiras de estudar teoricamente situações não reais visando criar condições de, com base nos resultados, explicar a realidade. Desse modo, segundo Santos, Marx personifica as classes de modo abstrato, mas perfeitamente aplicável à realidade concreta, e, como tal, passível de estudos sociológicos. Com base nisto, Santos passa a estudar as classes sociais em Marx de acordo com a sua classificação em quatro níveis de abstração: o modo de produção (segundo o qual, o conceito de classes está vinculado às forças produtivas e dos meios de produção, o que supõe um embate de forças antagônicas que constituem as classes), a estrutura social (que corresponde à concretização da abstração teórica, correspondendo à descrição das relações existentes numa sociedade real), a situação social (ainda mais próxima da realidade, é uma aplicação das teorias à prática da sociedade e suas relações) e a conjuntura (corresponde à particularização do estudo a um caso social específico). Dessas análises, Santos conclui que a maneira como Marx trata o conceito de classes sociais em sua obra formam um sistema constituído de abordagens diferentes que se complementam, indo do abstrato (teórico) ao concreto (a realidade social) e vice-versa, e que, na medida em que se aproxima desse último, a teoria se redefine de modo a sempre ser aplicável à realidade. Ao final de seu estudo, o autor, após algumas considerações sobre a noção de consciência de classe em Marx, conclui que seria mais correto entender as classes sociais como conjuntos básicos de indivíduos que se opõem dentro de uma sociedade segundo o papel ocupado no processo de produção, e segundo as relações que estabelecem entre si no tocante à propriedade e ao trabalho. Desse modo, ficam sanadas as dificuldades interpretativas de Gurvitch e de Ossowsky, por meio de uma correlação lógica explicativa do fenômeno das classes segundo os conceitos marxistas.


Benedito Fernando Pereira
Licenciado em Letras (Univás), Bacharel em Filosofia (FACAPA), graduando em História (Univás) e pós-graduando em Ensino de Filosofia (FACAPA).