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AS BASES FILOSÓFICAS DO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE

Posted By Benedito Fernando Pereira On 2 de junho de 2011 @ 1:03 In Artigo | No Comments

        O pensamento de Paulo Freire sofreu influência de várias correntes filosóficas, e se pauta pela busca da independência crítica do homem, pela sua libertação. Paulo Freire é herdeiro do Idealismo Hegeliano, do Marxismo e do Personalismo de Mounier.
O personalismo de Mounier associa a noção de consciência com a de comunidade, sustentada por suas reflexões sobre comunicação interpessoal e comunhão. Essa liberdade não é a da individualidade liberal, mas a da pessoa enquanto consciência autônoma em comunicação com as outras. Da comunicação nasce a comunhão que, fundada no amor, é um dos sustentáculos da idéia de revolução comunitária proposta por Mounier. A revolução comunitária é um processo de conscientização que deve se disseminar por toda a sociedade, prenunciando um socialismo utópico, que substitua as opressões de direita e os totalitarismos de esquerda. E é pela educação que as consciências se tornam críticas da realidade. Ela deve ser pensada para além da tutela do Estado, devendo estar sob a tutela do povo. Isso dá um tom libertário às reflexões pedagógicas de Mounier, o que também se encontra em Paulo Freire.

        A década de 60 foi a fase mais personalista de Paulo Freire, quando o autor publica seus primeiros escritos no exílio. Nesta fase, antropologia de Freire é marcadamente personalista: o homem é “pessoa”, e não um objeto; é sujeito capaz de atuar intencionalmente no mundo. O homem, enquanto pessoa, não se reduz à sua condição animal (biológica) e nem às condições impostas pela vida em sociedade, as determinações da cultura. Neste sentido, o educador retoma o conceito personalista-fenomenológico de transcendência: o homem, e somente ele, é capaz de transcender. Transcender é refletir a si mesmo no sentido de resignificar-se. Freire vai além e coloca que a transcendência é mais que isso, é também uma consciência de finitude do homem, “do ser inacabado que é e cuja plenitude se acha na ligação com seu Criador”. Posteriormente, o personalismo freireano assume maior engajamento político: isso ocorre quando, no Chile e depois em Genebra, o autor conhece a Teologia da Libertação.
        N’A Pedagogia do Oprimido notamos o tom político da pedagogia proposta baseando-se na proposta de uma Igreja politicamente engajada, libertadora, de cunho Marxista. Em escritos posteriores, Freire se afasta ainda mais de Mounier ao colocar que a tomada de consciência, é o despertar desta para sua missão emancipadora: a comunhão, cada vez mais, assume um tom de efetividade social, descendo do céu espiritualista para o chão da igreja libertadora. Por fim, o exílio aproxima Freire do marxismo, afastando-o da tradição personalista. Contudo, foi criticado pelos marxistas ortodoxos, que identificavam traços populistas em seu discurso pedagógico. O diálogo deixa de ser encontro de subjetividade para ser uma relação dialética de conscientização mútua, e a tomada de consciência perde seu caráter subjetivo para inserir-se num processo objetivo, histórico, de emancipação cultural.
        O diálogo aqui leva a um engajamento nas lutas de emancipação popular, e não somente pessoal, como nos personalistas em geral. Seu “personalismo-marxista” visa a tomada de consciência que promova ações que possibilitem a instauração das condições sociais mínimas para que o indivíduo se veja como ser humano, para que daí possa perceber-se como pessoa. Para os personalistas, a liberdade é definidora do ser humano. De início Freire menciona a ligação com o Criador como sendo a “unidade fundamental” e suprema liberdade. Retomando a idéia de comunhão de Mounier, e ressignificando-a ao modo marxista, o autor, já na Pedagogia do Oprimido substitui a ligação com a divindade em favor da noção de comunhão.
        Freire negou a ligação com a divindade (seu momento primeiro) para suprassumi-la na noção da identidade à humanidade, que é também identidade com o divino, não apenas com a divindade. Assim, a noção de unidade fundamental suprassume-se de uma divindade para a plena humanidade que é a unidade suprema entre divino e humano, realizando, então, como sucede para o espiritualismo-personalismo, a plena liberdade.
        Na Pedagogia da Esperança, texto posterior à Pedagogia do Oprimido, Freire retoma o conceito de comunhão e o expande de modo a englobar o todo da natureza: a “unidade” é, agora, além da identidade homem-divino, a identidade homem-natureza. O universo da comunhão abrange homens, mulheres, árvores, bichos, a terra mesma, os rios, os mares. Esta discussão abre campo para uma ecopedagogia. N’A Pedagogia do Oprimido, Freire a dimensão comunitária da liberdade na qual a interação é elemento fundamental. O homem não se liberta apenas no seu retorno ao Criador, mas em comunhão com os outros homens. “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1987).
        A liberdade se manifesta no jogo de forças no qual a ordem forma o homem e o homem constrói a ordem. Isso leva à totalidade, que é a síntese desse jogo de forças. A noção de liberdade objetiva tem em Hegel seu principal sistematizador, sendo fonte inspiradora do próprio pensamento freireano.
        Carlos Alberto Torres em seu livro Pedagogia da Luta fala da importância de Hegel na formulação dos princípios básicos da Pedagogia do Oprimido. Segundo ele, a Dialética do senhor e do escravo e o Reconhecimento têm relação direta com a dialética opressor/oprimido da Pedagogia do Oprimido. O próprio Freire deixa clara essa relação:

Se o que caracteriza os oprimidos, como ‘consciência servil’ em relação à consciência do senhor, é fazer-se quase ‘coisa’ e transformar-se, como salienta Hegel [...], em ‘consciência para outro’, a solidariedade verdadeira com eles está em com eles lutar para a transformação da realidade objetiva que os faz ser este ‘ser para outro’ (FREIRE, 1987, p. 36).

        Freire, porém, não aceita a noção hegeliana de “reconciliação e síntese”, e abdica da noção de desenvolvimento positivo da história. A história perde qualquer paradigma que garanta seu progresso positivo para a humanização e emancipação. A grande diferença entre Hegel e Freire será, justamente, a superação da positividade da negação natural hegeliana na Pedagogia do Oprimido. Esvaziada da noção de positividade, a humanidade só pode ser pensada enquanto projeto coletivo. A relação opressor/oprimido em Freire aponta não só para a emancipação das injustiças decorrentes da exploração do trabalho, mas também para a tarefa coletiva da construção do sentido que se dá ao processo de humanização. Assim, Hegel está na base da sua noção de libertação enquanto comunhão: a liberdade é o próprio processo de constituição da razão na relação opressor/oprimido. É racional reconhecer o outro como igual, portanto livre. Livre o oprimido da opressão, e livre o opressor do seu impulso dominador. O jogo de forças, a relação dialética, opressor/oprimido, constrói constantemente a ordem social na qual um e outro se “formam”, educam suas mentes e sentimentos.


Benedito Fernando Pereira
Quinto Período de Filosofia

REFERÊNCIA

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987.


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