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A Justiça como base do Utilitarismo

Posted By Benedito Fernando Pereira On 8 de novembro de 2010 @ 10:25 In Artigo | No Comments

GUISÁN, Esperanza. Utilitarismo, justiça e felicidade. In: PELUSO, Luiz Alberto (Org.). Ética e utilitarismo. Campinas: Editora Alínea, 1998, p. 131-141.

O Utilitarismo é uma corrente filosófica que tem sido mal interpretada ao longo da história. É generalizada, por exemplo, a má compreensão do papel da justiça nesta doutrina. Vários autores incorrem no erro de entender que a ética utilitarista, seria injusta e justificaria prejudicar minorias visando a felicidade da maioria.

A má interpretação do utilitarismo pode levar, por exemplo, a concluir que haveria justificação para a tortura de uma vítima com o objetivo de satisfazer a um grupo de sádicos, uma vez que estes são maioria. As preferências malévolas não têm utilidade social e não podem, portanto ser consideradas como práticas utilitaristas, no sentido estrito do termo. A base do utilitarismo é a benevolência para com todos os seres humanos, de modo que o sacrifício do inocente é impensável na teoria de Benthan, para quem deveria existir uma proporção entre o crime e o castigo. Assim, a justiça, baseando-se no princípio de empatia, tem como valor máximo o cuidado para com os demais, a busca comum de felicidade e de bem estar social. Existe uma preocupação extremada dos representantes desta doutrina, especialmente de Stuart Mill, quanto à questão da justiça e dos direitos. Mill, em sua obra Utilitarismo, coloca que deve haver reciprocidade entre os interesses próprios e os das demais pessoas, uma vez que todos são moralmente iguais. Assim, por se pautar pela igualdade, o utilitarismo não aceita vantagens ou privilégios, e isso fundamenta a sua concepção de direito. Igualdade e justiça são insubstituíveis como meios, estando na base do utilitarismo, segundo Mill. Mesmo John Rawls não reconheceu essa característica presente no utilitarismo, mas afirma que esta qualidade deve ser a base da teoria do direito.
O utilitarismo, dessa forma, aparece como meio para se atingir outro fim. Por exemplo, se se tem como fim diminuir o sofrimento dos pobres, é um meio para isso a redistribuição igualitária dos bens entre os que têm mais com os que têm menos.
Após estas considerações, a autora faz duas análises, a primeira a respeito da ética dos direitos de acordo com o pensamento de Brandt, e depois sobre Berger que, para ela, tem interpretado corretamente o pensamento de Mill a respeito da justiça.
Brandt coloca em seu livro Teoria Ética algumas dificuldades para conciliar o utilitarismo de regra com questões morais e princípios de justiça, uma vez que entende que esse utilitarismo tende ao hedonismo. O autor amplia então o utilitarismo de modo a ir além do hedonismo: sua proposta é então colocar a distribuição da felicidade de acordo com o mérito pessoal dos destinatários. Em lugar de considerar o igualitarismo como mais valioso do que o bem-estar, é mais proveitoso que haja uma combinação entre igualdades e desigualdades no meio social, para que haja equilíbrio generalizado dentro da sociedade.
Com base nisto, seria possível, de acordo com o contexto, colocar-se a favor de determinadas igualdades ou desigualdades do meio social, uma vez que há determinados elementos que podem justificar certas desigualdades. É o caso, por exemplo, de algumas pessoas poderem receber mais devido a suas condições especiais (discriminação positiva). Isso, porém, não significa que o utilitarismo promova a desigualdade.
Assim, Brandt, na disputa entre a ética do direito e a do bem-estar, coloca que o utilitarismo clássico, por fundar-se na justiça, põe a necessidade tanto dos direitos como do bem-estar, de modo que os primeiros garantam o segundo. Para tanto, as leis devem ser “deslocadas” em determinadas ocasiões para que se realize a felicidade, seguindo o princípio de utilidade. Isso se refere ao direito prima facie, ou seja, direitos básicos (vida, liberdade, propriedade). Esses direitos podem ser considerados de forma diferentes quando entram em jogo valores mais importantes, como no caso do direito à liberdade de expressão, que não deve ser usado de modo a pôr em risco outras pessoas.
Em outro trabalho, Brandt ataca o utilitarismo de regra por sua suposta falta de respeito aos direitos humanos. Por isso, sente a necessidade de ampliar este conceito, de modo que, considerando os atos não isoladamente, mas dentro de um sistema, num contexto mais amplo, tenha como objetivo último a felicidade geral. O utilitarismo que desrespeitaria os direitos humanos seria o utilitarismo do ato, que considera apenas as conseqüências diretas e imediatas de uma dada ação. Somente este poderia deixar de lado os direitos da pessoa.
Berger, por seu lado, fez um estudo crítico sobre o utilitarismo que, na visão da autora, poderia servir de nova base para fundamentar a teoria ética e a política. Berger expõe alguns aspectos positivos do hedonismo de Mill, como o auto-respeito, a dignidade e a autonomia, entre outros. Isso denota o caráter liberal e progressista de seu utilitarismo. Berger responde aos que consideram injusto o utilitarismo de Stuart Mill, ressaltando como essa doutrina busca proteger os direitos individuais visando a efetivação da justiça. O filósofo coloca quatro proposições que sintetizam a questão dos direitos com a da igualdade dentro do utilitarismo: as desigualdades são injustas e exigem justificação; deve haver redistribuição de riquezas para que se garanta a sobrevivência de todos; a desigualdade não deve eliminar a igualdade moral das pessoas; somente o mérito pode justificar uma desigualdade. A desigualdade é aceita, desde que seja justa em dado contexto.
Também a autonomia é uma das pilastras do utilitarismo de Mill: a desigualdade não pode ser oriunda de uma situação tal que a parte em desvantagem seja oprimida, privada de sua autonomia, uma vez que não tem liberdade de agir naquele contexto. Essa situação não é aceita pelo utilitarismo porque viola a lei de maximização do prazer, já que não se baseia na igualdade de forças, não sendo, portanto, justa. Assim, o empregador que, não tendo méritos para estar em situação privilegiada em relação aos empregados uma vez que enriqueceu com o esforço destes, não está em uma situação utilitarista porque seu privilégio não é justo.
O utilitarismo se fundamente na igualdade e na liberdade: se uma das partes (ainda que a minoria) está em uma situação na qual não dispõe de igualdade e de liberdade, portanto, de autonomia (base da justiça que pressupõe a dignidade humana), não se tem uma prática utilitarista porque não se promove o bem-estar (felicidade geral). Então, tudo o que degrada o ser humano é contrário ao utilitarismo. Sendo assim, os direitos humanos têm nesta doutrina uma forte aliada.
Berger responde às críticas de Rawls afirmando que no utilitarismo, a dignidade é fundamento da felicidade, sendo que ela implica no respeito a si e aos demais. Assim, não se pode ignorar o bem-estar de uns em prol da felicidade de outros. A utilidade pode ser maximizada desde que promova a justiça e o respeito pela pessoa humana. Por fim, a autora afirma a importância do utilitarismo clássico para a consolidação do modelo de justiça e na defesa da liberdade e da igualdade; cita a relação entre marxismo e utilitarismo como teorias reformistas que visam a libertação dos oprimidos (teorias de fundo humanista), tendo como fim último a felicidade do homem. Desse modo, o utilitarismo tem na justiça o valor mais elevado, pois só ela garante a eliminação do sofrimento e a maximização do prazer.

Palavras-chave: Stuart Mill. Utilitarismo e justiça. Utilitarismo e felicidade. A incompreensão do utilitarismo clássico.


Benedito Fernando Pereira
Quarto Período de Filosofia


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