- Filosofante - http://www.filosofante.com.br -

Dor e Sofrimentos Humanos

Posted By Bernardo On 6 de dezembro de 2009 @ 15:15 In Artigo | 2 Comments

      Ao tratarmos do homem como ser, nos deparamos com uma infinita gama de definições e conceitos que refletem a complexidade do assunto. Quem é o homem? Qual seu papel no cosmos? O que deve fazer? São perguntas que movem as discussões sobre esse ser peculiar e inigualável.
      A proposta deste artigo é analisar a dor e sofrimento como instrumentos da limitação humana, não obstante o homem poder superá-la através de modificações dos elementos que estão ao seu redor e ao seu dispor.

1 O PARADOXO DO HOMEM

      Quantas proezas o ser humano foi e é capaz de realizar? Grandes avanços na sociedade, em todas as áreas, foram construídos através dos séculos. No campo da ciência e da tecnologia – que pode enquadrar todas as áreas – chegamos a resultados nunca antes alcançados, porém apesar de todo o avanço o ser humano tem suas limitações. Dor e sofrimento são algumas delas.
No contexto das aulas de Antropologia Filosófica na Faculdade Católica de Pouso Alegre, tivemos a oportunidade de estudar as várias facetas do ser humano, por cada um dos alunos do segundo período que são: Homo somaticus, Homo sapiens, Homo loquens, Homo socialis, Homo religiosus, Homo volens, Homo faber, Destino do homem: morte e imortalidade e a Dimensão espiritual do homem: eternidade e intersubjetividade. A dor e o sofrimento, então, fecham o ciclo desses estudos antropológicos mostrando a complexidade do ser humano.

1.1 A FRAQUEZA E A LIMITAÇÃO HUMANAS

      O sofrimento humano é descrito por muitos autores no decorrer da história. Um dele é o grego Sófocles onde suas obras podem ser descritas como um canto ao sofrimento. Para ele a vida é um lugar de dor que só pode dar lugar a mais dor:

      Quem, esquecido do que é moderação, deseja prolongar a vida mais do que o justo, sempre será a meus olhos um insensato iludido. Pois os anos prolongados vão sempre amontoando mil coisas que geram dor (…) Quando o ‘Hades’ vem repentino o golpe (o inimigo de nupciais e de liras e de danças), igual chega para todos o Libertador a morte, fim de tudo. (STORK,ECHEVARRIA, pg.457).

      Para Sófocles a vida resume-se em sofrimento insuperável: “Não ter nascido é a maior das venturas, e uma vez nascido o menor mal é voltar-se quanto antes para lá de onde se veio” (ibid., pg. 457). Fica evidente a dificuldade do homem em lidar com a dor e o sofrimento desde os tempos remotos.
      O homem leva consigo muitos males, dentre eles: invejas, facções, contendas, guerras, mortes chegando ao ápice quando lhe chega a intratável, a sem amigos, a velhice: golfo onde estão todos os males.
      A tradição bíblica parece que não fica atrás ao falar das limitações do homem, pois assim o defini: “Homem, nascido de mulher, com dias escassos e farto de tormentos” (Jó 14,1).

1.2 REGIÃO INEVITÁVEL

      Sofrimento e dor são inevitáveis na vida do homem. Mais brando ou mais intenso, todos vivemos nessa região em algum momento da vida. Por ser limitado, o homem experimenta essa limitação de múltiplos modos. A tentativa de ignorar a dor e o sofrimento, para os estudiosos, não passa de um mero sonho:
      Quando o sério se torna interminável e parece talvez definitivo, sobrevém o sofrimento e desaparece a alegria: tudo parece, então, destinado a fracassar, e o mal, o pranto, a doença e o cansaço desdobram suas sombrias asas sobre nós. É uma região inevitável, à qual todos nós chegamos ou antes ou depois. Ignorá-la é manter-se no sonho (STORK,ECHEVARRIA, pg.458).

      Podemos perceber essa tentativa em alguns fatos mundialmente conhecidos como o sofrimento causado pelas mortes de dois grandes astros da música Norte Americana: Elvis Presley e Michael Jackson. No primeiro caso até hoje se tem notícia de fãs que afirmam categoricamente que Elvis não morreu e até que vive na Argentina. No segundo exemplo fãs afirmam que Michael não estava dentro do caixão que adentrou em um helicóptero, que tudo não passou de um drible da família.

2 A DOR TEM A ÚLTIMA PALAVRA?

      Protagonistas da dor são os atores que encarnam o sofrimento humano. Há, teoricamente, classe de pessoas que se agrupam em torno de um sofrimento mais agudo como os fracos, pessoas sem lar e sem propriedade, sem trabalho, sem saúde, miseráveis em todas as sua formas, doentes, os que carecem de capacidades físicas, psíquicas, os que sofrem de solidão e desamparo, os que são um “problema” pois deixaram de ser úteis (anciãos), os que sofrem injustiças irreparáveis, vítimas de violência. A grande pergunta é o que fazer com eles. Nesta linha de pensamento surge, por exemplo, a questão da eutanásia que sempre terá defensores contra ou a favor.

2.1 PSICOLOGIA DA DOR: SOFRIMENTO, MEDO E TRISTEZA

      A dor por mais indesejável que seja pode trazer, em certos momentos, pontos positivos. Quando alguém está sofrendo, na grande maioria das pessoas, surge quase que instantaneamente a indagação do por que da dor. A dor é um tormento para muitas pessoas.
      Não poucos questionam a real existência da dor refletindo sobre questões metafísicas questionando a existência de um ser todo poderoso e bom. Se Deus existe por que nos permite passar por tais situações. Em contrapartida pode-se chegar à conclusão de que a vida não vale a apena ser vivida.
      Esquece-se que a dor existe porque somos seres vivos. Ela é um mecanismo para nos alertar do perigo. Dor e o prazer são companheiros inseparáveis de todos os seres. Sem dor nos colocaríamos continuamente em perigo.Ela que nos motiva a ir ao médico, por exemplo.
      Todo movimento exige esforço, energia, desgaste e portanto fadiga. É forte aquele que aguenta o esforço e fraco quem carece dela. O mal é a privação do bem. É a detenção de uma situação que me aflige, um dano que impede minha auto realização (moral/físico-biológico). Ser forte significa aguentar essa detenção e atacar o obstáculo que a causa tirando-a da frente.

2.2 REAÇÕES DA SENSIBILIDADE HUMANA

      Diante da dor e do sofrimento podemos tomar dois caminhos distintos. Sermos levados por um impulso que nos move para um bem futuro, ainda que árduo, porém alcançável. Temos aí a tão conhecida esperança. E opostamente um impulso que rejeita um mal eminente ou inevitável e caminhar na desesperança e cheios de temor e sofrimento.
      Tomás de Aquino em sua obra magna afirma que duas coisas são requeridas para a dor: a união com algum mal e a percepção desta união (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I-II, q.35, aI). Primeiramente na sensibilidade: como uma intrusa que desestabiliza a relação do homem e seu corpo e na dor onde o corpo se descobre como limite podendo acabar apresentando-se como algo em si desagradável.
      A sensação de dor é externa causada por um mal que é contrário ao corpo. É menos íntima do que a dor moral: uma perna quebrada não tem o mesmo nível do que uma depressão profunda.

2.3 SOFRIMENTO INTERIOR CAUSA MAIS DANO

      No sofrimento interior acontecem fenômenos em toda a estrutura humana. Intervém na memória, na imaginação ou fantasia e na própria inteligência. Tal sofrimento inclui o passado, o presente, o futuro inclusive o que está fisicamente ausente. Temos então a possibilidade do aumento da dor pelo ser humano. Doenças como a hipocondria têm sua raiz nesses fenômenos. Medo e tristeza estão embutidos.

3 HOMO PATIENS

      Homem dolorido é o significado de homo patiens. Está é uma condição natural do homem. Este toma consciência de sua dor, a interioriza e a converte em sofrimento. É o modo humano de sofrer: a percepção inteligente dos males. Dá-se então o sentimento da frustração por ter que enfrentar uma situação na qual não se tem o controle.
      É a perda da saúde definida por muitos como uma harmonia da alma e do corpo, uma harmonia psicofísica. A medicina define saúde como o silêncio dos órgãos. A doença então é a presença do corpo reclamando a atenção que sempre lhe foi furtada. O silêncio do corpo é sinal ativo de equilíbrio. Saúde não é apenas o silêncio do corpo: é uma saúde integral, um bem estar do corpo de da psique.

3.1 SENTIDO DA DOR

      Não temos motivos e nem queremos tê-los para suportar a dor. Pensar que podemos erradicá-la completamente é uma ilusão. Podemos ter métodos para a diminuição do sofrimento e da dor. Impera em nossa sociedade a cultura do bem estar onde o mínimo de esforço é requerido. Para muitos a única saída seria a não existência, deixar de existir. Especialistas dizem que pensar assim é ter uma cultura infantilizada. Uma sociedade que queira abolir o sofrimento por meio da eutanásia não tema mais o que dizer, permanece muda.
Mas então, qual é o sentido da dor? Sem a dor estaríamos correndo imenso perigo. É ela que nos avisa que algo está errado. É assim que podemos e devemos procurar ajuda. A relação das pessoas diante do sofrimento tende a mudar, tornar-se mais solidárias e mais abertas.
Segundo Victor Frankl uma das principais características humanas está na capacidade de elevar-se acima das condições biológicas, psicológicas ou sociológicas e crescer para além delas. A busca de sentido na vida é a principal força motivadora do ser humano. Frankl experimentou na prática no campo de concentração nazista essa superação: só conseguiam se manter vivas as pessoas que tinham um sentido na vida. No sofrimento somos ao mesmo tempo aprendiz e mestre de si mesmo

CONCLUSÃO

      Dor e sofrimento são inevitáveis na vida do homem. Querer erradicá-los é mera ilusão. Apesar de toda a magnitude humana esses dois fatores fazem com que a limitação seja experimentada e conscientizada. Mesmo não gostando da dor e do sofrimento pode-se tirar pontos positivos. Neste aspecto entra o caráter metafísico do ser humano. A busca pelo sentido da existência diante de sua enorme limitação. A vida deve ser preservada e mantida bem como o exercício para amenizar a dor e o sofrimento. Este sempre foi um grande desafio para o ser humano. “Quem merece cuidado por si mesma, como algo insubstituível, é a pessoa humana, precisamente porque é um ser valioso em si mesmo: digno. (pg. 478).


Bernardo Rafael de Carvalho Pereira
Segundo Período de Filosofia

REFERÊNCIAS
A Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. SP: Paulus, 1990.
A Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Corrigida. Brasília: SBB, 1992.
A BÍBLIA SAGRADA. Tradução da Vulgata Latina. SP: Paulinas, 1976.
PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P. Buscar Sentido e Plenitude de Vida: Bioética, saúde e espiritualidade. SP: Paulinas e Centro Universitário São Camilo, 2008.
SANTA BIBLIA.Edição Reina-Vallera Revisada. Colombia: Sociedade Bíblica Unidas.1995.
STORK, R.Y.: ECHEVARRÍA, J.A.Fundamentos de Antropologia: um ideal de excelência humana. Tradução de Patrícia Carol Dwyer. SP: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2005.


Article printed from Filosofante: http://www.filosofante.com.br

URL to article: http://www.filosofante.com.br/?p=687

Copyright © 2010 Filosofante. All rights reserved.