Poucos têm uma história de vida como a do historiador Nicolau Sevcenko. Filho de imigrantes russos, da região da Ucrânia, fugidos da perseguição bolchevique, Sevcenko nasceu no Brasil, mais especificamente em São Paulo, em 1952. Dividiu a infância entre o trabalho, o esporte e, é claro, o estudo. “Cada uma dessas atividades me deu uma percepção do mundo bastante diferente, bastante significativa.” Depois de escorregar para o lado da bioquímica, decidiu-se pela história. Graduou-se em 1976, na Universidade de São Paulo, onde é professor titular desde 1999. Hoje, circula entre São Paulo e Londres, onde é membro do Centre for Latin American Cultural Studies, da Universidade de Londres. É também editor-associado de The Journal of Latin-American Cultural Studies, importante publicação da Universidade de Cambridge, Estados Unidos. Autor de obras pioneiras que contribuíram para consolidar o estudo da história da cultura brasileira – como Literatura como missão –, sua obra reflete um intelectual interessado por diversas áreas do conhecimento e um historiador interessado em se comunicar com o grande público, por isso escreve freqüentemente na imprensa, nacional e estrangeira.
Em sua obra “A corrida para o século XXI. No loop da montanha-russa”, de 2001, Nicolau Sevcenko destaca que “nos parques de diversão o que os atraía eram os brinquedos que, ou por submeterem as pessoas a experiências extremas de deslocamento e aceleração ou por lhes propiciarem perspectivas inusitadas, alteravam dramaticamente a percepção do próprio corpo e do mundo ao redor”.
Com as conquistas da eletricidade e da engenharia, com a utilização de matérias-primas como ferro e vidro, e com as potentes ferramentas de comunicação (usando imagem e som), a solução de entretenimento “barato” serviu de excelente ferramenta de contenção de uma massa de trabalhadores que tinha novas temporalidades, com tempo de trabalho e também tempo livre e dinheiro, abertos a novas experiências e sensações e a novas possibilidades de consumo: além de pipoca, cachorro-quente e algodão-doce, os mimos, como ursinhos, buttons, camisetas e bonés, ampliando a presença daquele momento de prazer, lazer e diversão. Saem as bandeiras dos países e entram ícones da “cultura” vendidos nas lojinhas do parque: personagens de desenhos animados e filmes, celebridades, marcas…
Mas os elementos referentes à pós-modernidade são ainda mais visíveis. A pós-modernidade têm como uma de suas características a incerteza sobre o futuro, ao contrario do pensamento moderno. O excesso de histórias interligadas, de línguas e interpretações de Estranhas Ligações , remete ao pensamento de Nicolau Sevcenko sobre quanto a estarmos em um movimento de loop numa montanha russa. Este processo vem se precipitando sobre nossas mentes já há bastante tempo, na modernidade se iniciou o processo, e para evidenciar este fato no filme não é preciso se esforçar muito. A cultura foi reconhecida como fator principal para a orquestrar as relações e ganhou autonomia algo que surpreenderia um dos muitos intelectuais da modernidade e suas previsões de racionalização e subjugação da mesma por fatores antes tidos como mais importantes, tais como o desenvolvimento tecnológico financeiro e organiza-cional (SEVCENKO, Nicolau. 2002).
O primeiro a captar de forma bem clara a interferência da “Revolução Tecnológica” nos modelos comportamentais dos indivíduos é Nicolau Sevcenko. Em sua série de estudos, Sevcenko traça um breve histórico dessa “revolução” e nomeia esse processo histórico de “O loop da montanha-russa”. Isso acontece porque toda a História dos desenvolvimentos tecnológicos ocorridos no período que abarca, principalmente, do século passado até os dias atuais se traduz em momentos em que há grandes progressos (picos de desenvolvimento tecnológico) e momentos de estagnação (períodos em que não se percebe grandes novidades tecnológicas). Esse “alto e baixo” é o que se pode entender como os movimentos de uma montanha-russa. A parte mais importante deste processo tecnológico é, justamente, o que Sevcenko entende como o “loop” da montanha-russa, que seria o período histórico que corresponde à fase da Revolução Microeletrônica. “O loop da montanha-russa”, na visão de Nicolau Sevcenko começaria, na realidade, nos idos do século XVI quando ocorrem os descobrimentos marítimos. Do século XVI até o século XVIII o mundo como um todo passa por uma fase de crescimento quando a um sentimento de otimismo e de expectativa dos sentidos. No século XVIII, o mundo passa a presenciar a Revolução Industrial. Paralelamente a essa revolução, têm-se, também, o movimento científico que o mundo concebe como “Iluminismo” (que se projeta sobretudo no campo da ciência).
A partir do Iluminismo e da Revolução Industrial, o mundo prepara-se para o período que Sevcenko denomina de “período de instauração do Padrão Industrial de vida”. Em 1870, o mundo chega ao primeiro grande “pico” da Revolução Tecnológica, que seria o momento em que se tem o Positivismo (“Ordem e Progresso”) como palavra de ordem nas relações sociais, políticas, culturais, etc. Logo em seguida, o que se tem é uma verdadeira no principalmente, por uma perda de referências culturais e mundiais que, contudo, não se transforma num “vazio” total por conta da descoberta da eletricidade.
No início do século XX, o mundo começa a se preparar para o “loop” propriamente da importante para o progresso tecnológico. Em nome da corrida armamentista, da elaboração de estratégias de guerra cada vez mais ousadas, desencadeia-se as primeiras descobertas eletrônicas que culminam com o surgimento do primeiro computador. A Revolução Microeletrônica estava declarada e os anos de 50, 60 e 70 representam o auge dessa revolução; evidencia-se, aqui, um mundo que começa a se acostumar com as inovações tecnológicas, espaço. O fim desse “loop” concretiza-se na construção de um novo sistema social; vigente, principalmente, nos países ocidentais: o Capitalismo Informacional, que projeta em sua forma mais direta o Revolução Tecnológica tal como é concebida nos dias atuais. Esse Capitalismo Informacional impõe ao mundo um novo padrão de produção industrial (opadrão pós-industrial), que deve privilegiar, sobretudo, os serviços, a comunicação e a informação.
Num segundo momento, Sevcenko estabelece uma mobilidade individual de cada um e a capacidade de visão do ser humano. As tecnologias provocam uma série de mudanças na forma como o indivíduo percebe o mundo; por isso, mais do que nunca, é necessário que se faça um redimensionamento dessa capacidade de visão; é preciso que essa percepção se converta em um caráter multilateral processo de pesquisas tecnológicas.
Esse período é Revolução Tecnológica. As Guerras Mundiais proporcionam que abole a percepção do tempo e obscurece os limites e as referências do relação direta entre as leituras que um indivíduo faz das imagens, dos sons e das informações que lhe são oferecidas são, agora, decisivas para testar seu “grau de mobilidade” e, conseqüentemente, seu “poder social”, segundo a qual “Saber é poder” é, agora, substituída e intensificada por outra mais precisa: “Deter o saber é poder”. Esse processo pode ocorrer de forma inversa também: “Pode quem sabe” e “sabe quem pode”.
Algumas idéias de Nicolau Sevcenko que podem ilustrar muito bem a relação entre as “Novas Tecnologias” e os comportamentos dos indivíduos são as seguintes: primeiro ele trata da questão da tecnologia e da engenharia de fluxos, principalmente das informações (a tecnologia muda a rotina desses fluxos). Por conta dessa mudança, vive-se, agora, numa sociedade em que se privilegia o “ver”, mais que o ouvir e o falar. Justamente por isso é que ocorrem intensas modificações na capacidade de percepção das pessoas; essa percepção deve estar voltada, sobretudo, para assimilação visual das coisas do mundo. Não se pode esquecer que esse fenômeno está diretamente ligado à estrutura econômica e aos fenômenos culturais de cada povo. O ser humano é medido justamente na forma como percebe a economia e a cultura numa associação objetiva com os meios de comunicação e com a Internet.
Em 1968, movimentos estudantis são deflagrados na França por conta de problemas sociais que o país enfrentava na época. Em um desses movimentos, líderes políticos e intelectuais apresentam um “Manifesto contra a mídia”, que seria a principal responsável pela vinculação de idéias equivocadas e deturpadas de sociabilidade.
Destacam-se, aí, um primeiro momento em que a mídia associaria diretamente a condição de “ser” à condição de “ter” (o poder aquisitivo de um indivíduo determinaria seu “status” social) e um segundo momento em que se faria uma associação entre a condição de “ter” com a condição de “parecer”. Dentro desse contexto, o que se privilegia na mídia não passaria de uma “imagem popular” e dessa acepção, se conceberia a indústria do entretenimento (cinema, rádio, TV). Por conta dessa Revolução Tecnológica e Pós-Industrial, as pessoas são obrigadas a perceberem a Cultura como uma mercadoria que, como tal, podem produzir lucros. Mais do que isso, as pessoas devem acompanhar as tendências de mercado e fazer leituras de tudo o que lhes for colocado à mostra.
A obra de Le Goff é um clássico sobre o cotidiano na idade média. Focaliza-se principalmente a economia e a religiosidade do homem medievo debaixo da autoridade da Igreja. O autor é tido como um dos maiores medievalistas. Nesta obra percebe-se o contexto confuso em que a sociedade vivia, tendo seus direitos, deveres e perspectivas ditados pelo poder da igreja que fazia de homens e mulheres pessoas sem nenhuma chance de autonomia nas diversas áreas da vida humana.
Segundo o autor “Num mundo em que o dinheiro (nummus em latim) é ‘Deus’; em que o ‘dinheiro’ é vencedor, o dinheiro é rei, o dinheiro é soberano (nummus vincit, nummus regnat, nummus imperat)” (p.8), se desenvolve o drama medieval com todas as suas implicações, trazendo transtornos físicos e emocionais capazes de atormentar psicologicamente o homem de então e deixando implícita a ambigüidade do poder eclesiástico.
Os séculos X a XII constituem-se o recorte temporal da chamada idade das trevas. Durante esse período a questão da usura permeia a mente da sociedade principalmente nos séculos supracitados. A usura seria por muitos séculos um mal combatido pelo clero.
A obra divide-se em seis capítulos. No segundo, desenvolve-se a ideia do inferno que é o meio principal pelo qual o domínio se dá na vida do homem medieval. A justificativa de tal ideia provém de textos bíblicos, tanto do Antigo como do Novo Testamento. A penitência é desenvolvida chegando ao ponto de se confeccionar em tabelas penitenciais: “Durante a idade média, as tabelas de penitência consoante a natureza dos actos pecaminosos estavam consignadas em penitenciais” [grifo do autor] (p. 10). A citação do inferno como condenação pelo pecado da usura permeia os demais capítulos: “Sim, a usura só podia ter um destino: o inferno” (p.37). Dessa maneira o homem da época vivia amedrontado, acuado e sob forte pressão.
Um dos meios desenvolvidos para a comunicação das ideias divinas, ditadas pela igreja, foi o exemplum. Através dessas histórias, os ouvintes eram informados sobre o destino final do usurário. Estava lançada a grande questão da época quanto ao enriquecimento ilícito: o cidadão deveria escolher entre a bolsa e a vida, ou seja , entre os bens materiais, prazerosos e efêmeros ou a estada concreta e eternamente cheia de sofrimentos terríveis no inferno.
O capítulo terceiro dedica-se a justificar o pecado da usura, que era o pior dos pecados capitais. Se um homem roubasse outro homem poderia ser punido pelas leis civis e até mesmo perdoado pela igreja através da confissão. Mas o que fazer com aquele que conscientemente e apesar de todos os avisos roubasse a Deus? O usurário era um roubador do tempo que pertencia a Deus. Ele vendia aquilo que não produzia. O ócio e o enriquecimento eram incompatíveis. Nessa época a figura artística do usurário estigmatizou-se na figura do Judeu, uma das grandes injustiças da história em relação aos descendentes de Abraão.
A pesquisa realizada por Le Goff apresenta em detalhes a vida na Idade Média. Toda manipulação feita pela Igreja para interferir na consciência das pessoas é comprovada pelos exemplos e citações das obras pesquisadas. Fica evidente que muitos dogmas da Igreja católica foram criados não por uma piedade religiosa ou pela autoridade das Escrituras, mas sim por uma necessidade econômica para o exercício do poder. Exemplos citados são a confissão auricular e o purgatório. O primeiro com a intenção de cada vez mais descobrir e controlar a proliferação da usura e o segundo para resolver a questão dos usurários que colaboravam financeiramente com a igreja, aliviando assim seu sofrimento eterno e dando-lhe uma nova chance após a morte.
O capítulo final descreve a situação incômoda que vivia a esposa do usurário. O que fazer com ela é a pergunta que se fazia. Duas possibilidades havia: abandonar o marido e salvar sua alma ou pagar literalmente a Igreja após a morte dele, entregando assim toda a fortuna arrecadada pelo marido de forma generosa e piedosa. A discriminação às mulheres de usurários era notória: “Ouvi falar duma mulherzinha que tinha como esposo um usurário” (pg.107), iniciava-se uma das histórias amedrontadoras narradas pelos padres. Há contudo relatos de mulheres que se negaram a entregar seus bens a Igreja como é o caso de Étienne de Bourbon.
O texto de Le Goff é rico em citações e referências de documentos oficiais antigos, porém peca ao omitir em algumas delas a origem. Ao tratar dos assuntos expostos nos capítulos, Le Goff parece ser prolixo nos detalhes, retornando em cada capítulo a assuntos já tratados para depois abordar o assunto principal. Isso certamente causa um desgaste ao leitor. Peca o autor em não oferecer ao leitor um índice e divisões sistematizadas, seja no início ou no final da obra, tornando a leitura solta no ar, sem uma referência inicial para pautar os assuntos tratados.
De maneira alguma esses detalhes empobrecem a pesquisa do autor que é ampla e detalhada. A situação econômica, o medo da Igreja em perder o poder sobre a vida do povo, as artimanhas do clero, a situação lamentável em que viviam os homens e mulheres desprovidos de direitos e cheios de deveres abusivos, fica evidente no livro. Para se conhecer um pouco desse momento histórico é imprescindível a leitura desta obra.